Li pela segunda vez Walden ou a vida nos bosques de Henry David Thoreau. Alguns livros precisam ser relidos, pois a cada momento deixam um recado diferente. Pode soar estranho que um iluminista da vida urbana, amante do progresso e da industrialização, tenha fascínio por alguém que é inspirado pelo confucionismo, é crítico da sociedade industrial e inspira movimentos como dos hippies.

Mas no fundo as reflexões de Thoreau, nessa espécie de autobiografia, trazem muitas lições para quem está disposto a desarmar seu espírito e ouvir novas experiências.
O livro foi publicado em 1854. Thoreau abandonou a cidade e foi para a floresta, e vai viver as margens do lago Walden, onde constrói sua cabana e os móveis da moradia que vai habitar por dois anos, dois meses e dois dias. O recolhimento do escritor é um aprofundamento na simplicidade de viver com pouco, convivendo com pouquíssima gente e abraçando uma mística transcendental da natureza.
Thoreau enxerga a natureza como inocente, de uma “indescritível benevolência”. Lembro-me do filme “Na natureza selvagem”, onde é contada a história de Christopher McCandless, um jovem rico que abandona a carreira profissional e a vida na cidade para se aventurar no Alaska, morando em um ônibus. O jovem que tanto confiava na natureza morre como vítima dos perigos da vida natural. A natureza não é consciente e nem inocente, é caótica, irracional e bastante hostil.
Mas o autor de Walden viveu uma conversão de sua alma com a vida desapegada, absolutamente livre, em sua opção pela floresta. As críticas ao mundo moderno e seu apego ao lucro soam como uma crítica ingênua e reacionária contra a sociedade comercial e todos os valores que ela ergueu. Só que é possível acatar muitas das ideias de Thoreau em tempos nos quais vivemos a ressaca do confinamento forçado por conta de um ente da natureza, o coronavirus.

Ao falar de solidão, nosso autor afirma: “Acho saudável ficar sozinho na maior parte do tempo. Ter companhia, mesmo a melhor, logo se torna cansativo e dispersivo. Amo ficar só”. A paixão de Thoreau pela solidão é uma declaração de amor a si mesmo, não uma celebração do egoísmo. Me pergunto quem estaria mais sozinho, alguém que espontaneamente se propõe o isolamento ou quem passa horas escravo das novas tecnologias, como muitos jovens da geração atual.
O mundo moderno (ou pós-moderno) trouxe para nós controle remoto, celular, computadores de tecnologia avançada, permitindo viver com mais facilidade e conforto. Também vieram as vacinas e a medicina que prolonga vidas e nos protege dos perigos que traz a natureza, como os vírus e as bactérias. Mas também é verdade que a pressão exercida sobre nós produz tristeza, depressão, sentimento de fracasso. Somos pressionados a responder rápido e bem as expectativas, a “vencer na vida”, acumulando glórias para outros verem. Esse tipo de sociedade é uma fábrica de neurose. Nunca consumimos tantas drogas para aliviar nossas dores existenciais.
Thoreau escreveu: “Certamente muitos não desejariam viver ao lado de tantos homens, da estação de trem, do correio, do bar, da igreja, da escola (…) e sim da nossa fonte perene de vida”.
Não estou entre estes. Não tenho tanto amor assim pela natureza, penso que ela existe para ser explorada a nosso favor (nos tempos atuais exige-se que essa exploração seja racional e sustentável, não por causa do bem-estar do meio ambiente, que não tem sentimentos, mas sim pela nossa própria sobrevivência), a fim de nos proporcionar vida melhor. Muito menos vejo graça nos fenômenos naturais para lá de cotidianos e conhecidos. Tem coisa mais trivial que reunir amigos para ver pôr do sol e eclipse?
No entanto, reflexões como as de Thoreau, mesmo românticas e transcendentais, são importantes para nos lembrar que somos humanos, procuradores de sentido e produtores de valores. Não somos máquinas e nem robôs escravos de ideais egoístas.
Não precisamos ir para o bosque, mas pensar experiências como as descritas em Thoreau serve até mesmo para devotos da razão como eu. Talvez seja porque a sede de sentido que penetrou o escritor americano habita igualmente todos nós.