UMA LEITURA CRÍTICA DOS 50 ANOS DO CHILE DE ALLENDE

Entrevista concedida a Edison Ortiz em 15 de abril de 2023, publicada sob o título “Alberto Aggio y su lectura crítica a 50 años del Chile de Allende”, em El regionalista, periódico digital editado em Rancagua, Chile (elregionalista.cl).

Paco editorial, 2023: https://www.pacolivros.com.br/50-anos-do-chile-de-allende

RegionalistaAlém da publicação de Le Monde Diplomatique, edição chilena, este é o primeiro livro que se publica em torno dos 50 anos do golpe militar. Por que é importante no Brasil esta rememoração?

Alberto Aggio – O livro pretende recordar a chamada experiência chilena desde o início até seu trágico final. É importante pensar a história de processos como esse a partir de uma perspectiva global e sabemos o quando o governo Allende foi importante para a esquerda brasileira, mesmo quando estávamos sob uma ditadura desde 1964. Muitos dos exilados brasileiros foram primeiramente para o Chile. A maior parte desses brasileiros tinham uma visão ambígua sobre a via chilena ao socialismo. Com o desfecho, ou seja, com o golpe ficou uma imagem negativa dessa experiência. Passados esses 50 anos ressurge uma imagem nostálgica de Allende e da Unidade Popular. Creio que é importante pensar em todos os momentos da recepção do que se sucedeu no Chile de Allende no interior da esquerda brasileira e para além dela.

R.O fato de o texto ter sido publicado em 19 de abril tem a ver com o aniversário do PS chileno, fundado nessa mesma data em 1933 (90 anos) e com a famosa frase de Allende pronunciada em 1973 durante o 40º aniversário do PS de que “tudo o que sou devo ao meu partido”?

A.A.: É apenas uma casualidade. Mas, de toda forma, creio que a vinculação de Allende com o PS é iniludível, com tudo o que isso significou de afirmação e limites para uma liderança como a de Allende, que foi um promotor da unidade socialista desde a década de 1950. Durante seu governo (1970-1973) não houve uma relação propriamente tranquila entre o PS e o Presidente. Mas este é um tema específico que aparece em muitos pontos desse livro. Mas nunca houve uma ruptura entre ambos.

R.Que significou para você, um destacado intelectual brasileiro, a figura de Allende e seu governo?

A.A. – Para mim sempre teve mais importância compreender o processo da experiência chilena e o projeto da via chilena ao socialismo do que propriamente a figura de Allende, a despeito da sua extrema audácia em vislumbrar a possibilidade de construir o socialismo no Chile – e o que isso significava naquela época – postulando uma estratégia com democracia, pluralismo e liberdade. O seu fracasso significa e evidencia o ponto máximo a que chegou aquela cultura política da esquerda chilena e ocidental, ou seja, o seu limite histórico.

R.Por que o título do livro: 50 anos do Chile de Allende – uma leitura crítica?

A.A. – Porque é preciso ultrapassar as leituras desse período que permaneceram em torno do dilema da esquerda daquela época, ou seja, reformismo ou revolução. É preciso superar também o tratamento que não consegue ver o fracasso de um governo de esquerda como o de Allende. No essencial, importa fazer uma leitura crítica da cultura política da esquerda daquela época, que está até hoje presente, em traços gerais, na esquerda latino-americana atual. O livro não tem, portanto, objetivo hagiográfico acerca de Allende e nem quer cultuar mitologicamente a Unidade Popular. Em seus capítulos, o que se enfatiza são as vicissitudes, limites e contradições de ambos, bem como de uma historiografia que permaneceu inserida no campo cultural e político dos atores que protagonizaram aquela experiência.

Alberto Aggio no lançamento de 50 anos do Chile de Allende na USP

R.Contribuem para o livro uma série de intelectuais do Brasil, Chile, Itália e Valencia (Espanha). Qual ideia está por trás de integrá-los nesse livro?

A.A. – Em relação aos chilenos não há o que comentar, são imprescindíveis. A Espanha e a Itália foram países impactados pela experiência chilena de Allende e contam com pesquisadores que conhecem a história política do período. O mesmo em relação ao Brasil. Creio que todos eles, de uma forma ou de outra, expressam essa leitura crítica que está no subtítulo do livro, uma leitura que ultrapassa as formas de ver o período que, no mais das vezes, são anacrônicas, mitológicas e nostálgicas.

R.No seu entendimento, qual é a principal contribuição desse livro, pensado no contexto dos seus 50 anos, refletindo sobre a memória e o futuro?

A.A. – Creio que a principal contribuição dessa coletânea é a de apresentar um painel de investigações em muitas dimensões complementares e que abordam a memória da época, a luta política que ali se travou e o debate político e teórico a respeito da experiência que, ha 50 anos, buscou construir o socialismo mantendo a democracia, num ambiente de guerra fria e de uma Cuba triunfante. Creio também que, de diversos ângulos, os autores dos capítulos desse livro advertem para o fato de que a experiência da Unidade Popular é não só uma experiência limite para a época, mas irrepetível nas circunstâncias atuais.

R.Por que o público deve ler esse livro?

A.A. – Creio que a memória do que foi o desafio assumido por Allende, o ineditismo daquela “aventura”, as referências pontuais ao seu projeto, os limites e, por fim, o fracasso, são lições da História que não se podem deixar de se levar em consideração para se pensar o presente e o futuro. A História é importante porque, formulada de maneira crítica, contribui com o pensar do homem contemporâneo, sem aprisionamentos e tampouco ilusões.

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Últimos comentários
  • Excelente entrevista, caro Aggio. Sua reflexão sobre o significado da estratégia de construção da democracia, na perspectiva da Radicalidade democrática iniciada com Allende nos trouxe ensinamentos que não podem ser perdidos.

  • O GOVERNO DE Allende NÃO FRACASSOU, MAS FOI FORÇADO À “FRACASSAR”.

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