No túnel sob a Mancha

Partimos. Estamos, pela primeira vez, no Eurostar, que vai de Paris a Londres, sob o canal da Mancha. Viajamos em segunda classe. Ao meu lado um senhor, mais velho do que eu, lê um romance de maneira muito serena. Na sua frente um jovem inglês se entretém com um IPhone e um IPad simultaneamente. Em 2013, ambas as atitudes nessas plagas são coisas do nosso tempo. Lá fora os resquícios da forte nevasca que atingiu o Norte na França e que nos reteve por um dia a mais no Monte San-Michel. Além disso, o que se vê é uma paisagem econômica que mostra um campo absolutamente capitalista, com agricultura industrializada e vias de circulação bastante modernas. Há torres com hélices para a produção de energia eólica em diversas partes do caminho. Percebe-se que aqui a acumulação capitalista já não é primitiva há muito tempo. Isso certamente muda muita coisa na vida cotidiana das pessoas. 

Nossos companheiros de viagem apresentam toda a heterogeneidade social e a diversidade cultural da Europa-Mundo. Com alguma atenção pode-se reconhecer diversos idiomas. Há até ecos de pessoas falando em um português brasileiro, coisa cada vez mais comum nas viagens ao exterior. Talvez um paradoxo extremo: a moeda inglesa vale mais do que três vezes a nossa; turismo caro esse!

O balanço do trem nos embala lentamente e dormitar um pouco depois de alguns minutos não é incomum, mesmo entre os europeus. Mas é também uma sensação que nós brasileiros não estamos acostumados já que não temos trens que percorrem grandes distancias (e nem mesmo pequenas, lamentavelmente).

O “comandante” do trem, tal como nos aviões, nos informa que deve haver um atraso de uns 30 minutos até o nosso destino em função da nevasca. Nesta viagem, ao sair de Paris e percorrer o norte francês, o trem utiliza a superfície. Somente quando chega próximo ao mar, ainda sem se avistar o Canal da Mancha, entra num túnel de larga distancia. A entrada é suave, com se estivéssemos num túnel qualquer, tão comum nas viagens de trem pela Europa. O fechamento integral das janelas parece ser vital nesse momento e há inclusive uma advertência da tripulação quanto a isso.

Ao ingressar no túnel, a escuridão anula a paisagem das janelas. As luzes se acendem automaticamente. As pessoas continuam a fazer o que estavam fazendo, normalmente. Algumas continuam a ler, outras deixam de lutar contra o sono e se rendem e aqueles que estavam ouvindo música não se alteram. O trem segue em frente. Depois de aproximadamente 15 minutos já estamos em solo britânico. O meu IPhoneparece ser fiel à realidade e me avisa que a partir daqui quem cuida da minha comunicação com o mundo é a Vodafone UK. Chegamos, mas ainda no nosso tempo.

(PS. Com esperança de que o Brexit – se ele realmente vier a se impor – não altere tanta coisa nessa viagem)

Alberto Aggio (Comércio da FrancaNossas Letras, 27.04.2013, p. 3)

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