Ainda sobre “Marighella, o filme“, a partir de uma resenha critica escrita por Adelson Vidal Alves e publicada aqui em Horizontes Democráticos, faço abaixo alguns comentários adicionais.
1. Adelson tem razão ao observar que o nome do PCB não aparece. Apenas há uma referência ao “partido” ou ao “Partidão”. Por outro lado, o personagem que representa o PCB, se num primeiro momento é contrário ao que ele chama de “aventura” de Marighella, depois se rende a este e se dá mal: vai preso. Assim, a tese de que havia outras possibilidades políticas de enfrentamento da ditadura desaparece de cena. O filme, no fundo, condena moralmente quem, de esquerda, não aderiu à luta armada. O que é absolutamente injusto. Basta lembrar aqui de Vladimir Herzog, dentre outros.

2. Quem assistir ao filme com isenção e acompanhar a trajetória de Marighella no próprio filme não pode chegar a outra conclusão: ele foi um desastre enquanto dirigente político. A única ação politicamente exitosa mostrada no filme, o sequestro do embaixador americano, teve sua oposição. No mais, a irresponsabilidade de Marighella como dirigente vai num crescendo, jogando quem estivesse com ele para a morte, literalmente. Seria um resultado não previsto pelo diretor do filme?
3. Uma cena curiosa é aquela em que o jornalista francês indaga se Marighella é maoista, trotskista ou leninista. Marighella responde que é brasileiro. A resposta evidencia sobretudo que a opção pela ação revolucionária não guardava relação alguma com a reflexão e o pensamento no âmbito da esquerda. Evidencia também uma ponta do anti-intelectualismo que prosperou mais tarde, quando Lula irá rejeitar qualquer qualificativo similar, mantendo a mesma resposta: “sou brasileiro”.
4. O final do filme é absolutamente falso, do ponto de vista histórico. A luta armada foi derrotada em termos fácticos e políticos, mas o diretor do filme a apresenta como vitoriosa. O personagem que representa o velho dirigente “Câmara Ferreira”, torturado no pau-de-arara, quando informado da morte de Marighella, responde ao torturador que quem perdeu foi a ditadura. Da mesma forma, em cena subsequente, a guerrilheira sobrevivente, empunhando uma metralhadora olha para a câmera e, sem palavras, sugere que “a luta vai continuar” – repetindo Marighella: “nós não vamos parar”.
5. Por fim, recusando a História, o filme, concebido como “de ação”, com embate entre “dois lados” (a guerrilha de Marighella versus a ditadura militar), não teve coragem de mostrar como a ditadura foi derrotada, nem mesmo nos letreiros finais, um expediente conhecido dos filmes de época. O filme não informa que, depois da morte de Marighella, a luta democrática haveria de acabar com a ditadura pela via da política, em meados da década de 1980, precedida pela anistia (1979), que possibilitou a centenas de opositores retornarem ao país. O filme não revelou isso pois seria um atestado de falsidade histórica. Preferiu a catarse dos atores abraçados cantando o hino nacional em um suposto “aparelho”, com ênfase e estridência nas frases “verás que um filho teu não foge à luta” … “nem teme quem te adora a própria morte”.
Radicalizando o argumento, quem quiser saber sobre esse período tão duro e crítico da História do nosso país, em especial da esquerda brasileira, seria melhor assistir ao filme não como uma “reconstrução do passado”, mas como uma versão atual de um passado instrumentalizado.
Claudio Hess | 19 de novembro de 2021
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Não ia ver, agora é que não vou mesmo!!
Banho de esquerdismo eu não vou tomar.
Ótima análise, me livrou da tortura….
Alberto Aggio | Autor | 20 de novembro de 2021
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Grato pelo comentário, Claudio. Mas, independente da crítica que faço, penso que seria bom que as pessoas assistissem ao filme. Da minha parte, não tenho nenhuma intenção em ser o “dono da verdade”. Mesmo equivocado do ponto de vista histórico e político é, como escrevi, um bom filme.