Domingo, às 17h, timidamente as primeiras urnas são abertas e os primeiros votos contabilizados. Impulsionado pela rápida apuração do Distrito Federal e da região Centro-Oeste, Bolsonaro assumiu a liderança no pleito. Com o avanço da contagem, amparado pelo forte apoio da região Nordeste, Lula ultrapassou Bolsonaro e cresceu constantemente até o encerramento do pleito. Todavia, a expectativa de uma vitória petista ainda no primeiro turno oscilou para o temor diante de uma votação inesperada do atual presidente. Mais que a frustração pela necessidade de um segundo turno, a constatação amarga da persistente força de Bolsonaro e daqueles que estão ou estiveram próximos ao governo.

Considerando o cenário para as disputas dos governos estaduais, Senado e Câmara, essa força se confirma. Outrora ministros, figuras como Damares Alves, Tereza Cristina, Marcos Pontes e Eduardo Pazuello conquistaram suas vagas para mandatos legislativos. Em São Paulo, o fracasso da candidatura de Rodrigo Garcia ao governo do estado aprofunda o declínio do PSDB. Pela primeira vez em décadas fora da disputa pelo governo do estado, o partido perdeu largas parcelas de seu eleitorado para forças políticas à direita do espectro político.
Frente a uma eventual e provável vitória de Lula, a análise dos resultados obtidos no primeiro turno amplia a envergadura dos desafios a serem enfrentados nos próximos anos. Em primeiro lugar, embora com uma bancada ainda numerosa, o avanço conservador e até mesmo reacionário no Parlamento poderá conduzir ao recrudescimento das tensões entre Executivo e Legislativo ou a diversas concessões e conciliações por parte do presidente. Para aqueles aferrados à memória do primeiro governo Lula, o Brasil de 2022 é bastante diverso daquele do início do século.
Em segundo, a conclusão da primeira parte do pleito demonstra que derrotar Bolsonaro não implica derrotar aquilo que comumente conhecemos por bolsonarismo. A margem de apoio a essas candidaturas, posta em uma perspectiva histórica, é expressão dos dilemas vivenciados pelas principais democracias ocidentais. Conforme análise do historiador francês Pierre Rosanvallon, a acentuação do individualismo e a complexificação da sociedade ao longo das últimas décadas ampliaram os obstáculos para a representação política. Nesses termos, sentindo-se invisíveis diante do poder político, parte significativa dos indivíduos busca soluções anti-políticas ou autoritárias.

Por outro lado, nesse presente amplo, para utilizar a definição do historiador alemão Hans Ulrich Gumbrecht, as intensas transformações tecnológicas coexistem com uma expectativa de futuro bastante opaca. Assim, nesse presente carregado de simultaneidades, as imagens de um passado nostálgico e a defesa de costumes considerados em risco exercem impacto no comportamento político dos cidadãos. Como produto do avanço da modernidade, o conservadorismo e o reacionarismo, ainda que com suas distinções, operam a partir da busca por um refúgio diante de uma realidade em decadência.
Portanto, distante de serem explicadas como fruto da alienação do povo brasileiro, o crescimento de tais candidaturas dialoga profundamente com sentimentos e aspirações que circulam na sociedade civil. Isso significa que, apesar do personalismo envolvido na figura de Bolsonaro, sua derrota não implica o recuo desses comportamentos políticos. Ao contrário, é possível que aquilo que nomeamos como bolsonarismo seja, na verdade, um difuso conjunto de crenças que foram eventualmente mobilizadas por Bolsonaro e seus diversos aliados.
Nesse sentido, as disputas travadas nessas eleições, no Executivo e Legislativo, são sintomas das tensões experimentadas pelo país nessas primeiras décadas do século XXI. Nesse cenário, embora extremamente importante, não se trata apenas de eleger um novo presidente da República. Mais que isso, é preciso articular, também em torno de Lula, uma ampla coalizão responsável por formular um projeto capaz de oferecer respostas às demandas impostas por essa etapa da modernidade brasileira. Derrotar Bolsonaro é um passo importante, mas ainda um alívio imediato.
patrick dias ferreira | 3 de outubro de 2022
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Exclente texto.
Gustavo castanheira | 3 de outubro de 2022
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muito bom!!!
Sarah cHRISTINE vIEIRA e SILVA | 4 de outubro de 2022
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Esse cenário é muito complexo e de fato diferente do início do século. O movimento bolsonarista que cresceu em meio a uma trágica desilução da população brasileira em relação ao fazer política.nOS PRÓXIMOS ANOS, ENFRETAREMOS AINDA MAIS ESSA ONDA CONSERVADORA QUE VEIO, INFELIZMENTE, PARA FICAR.mAS, ESPERO UM RESULTADO DAS URNAS EM FAVOR DA DEMOCRACIA.