As festas de fim de ano, que celebram o Natal, são sempre motivo de alegria e confraternização, especialmente para os católicos ou para aqueles que culturalmente são católicos, embora possam ser agnósticos ou até mesmo ateus. É uma época de grande desprendimento das pessoas, até para coisas inusitadas. Algumas delas, difíceis de acreditar, mas a história que embasa essa crônica é verdadeira, em cada um dos seus detalhes.
Para nós do sul do mundo, essa é, geralmente, uma época de calor. O verão tem inicio no dia 21 de dezembro e é precedido por dias de calor abafado que gradativamente se intensifica. Mas, não foi o caso desse ano. Os dias do inicio de dezembro, só para não falar dos anteriores, foram nublados e bastante frios para essa época do ano, particularmente em São Paulo. Algumas pessoas, que são marcadas pelo bom-humor, reconhecendo a ironia do fato, chegaram mesmo a predizer: “do jeito que vamos, quando chegar o Natal teremos neve”.

Na grande metrópole costumamos ficar num pequeno, mas aconchegante, apartamento, de um condomínio enorme, com 6 torres que juntas formam 3 edifícios de 22 andares cada um. Apelidei o lugar de “Soviet”. Para os antigos conhecedores das imediações do Paraíso com a Vila Mariana, o “Soviet” fica no local onde funcionava a fábrica de chocolates da Lacta.
Minha neta maior, especulativa como ela só, não tardou a perguntar: “Que nome estranho. Por que “Soviet”? É o nome do lugar ou você é que deu esse nome”? Sabendo que a explicação seria muito difícil para uma menina de 5 anos, apenas disse que era uma invencionice do seu avô. Imagino que mais à frente ela poderá entender melhor a relação entre os nomes e as coisas.
Mas, era uma invencionice deliberada e motivada apenas pela memória visual. Não tive oportunidade de conhecer a antiga URSS na época dos “soviets” (conselhos, em russo) ou mesmo depois. Fui para a Rússia, num evento acadêmico apenas em 2017, aos 100 anos da “revolução dos soviets”, a revolução bolchevique, quando tudo já havia terminado. Mas, é lá, na periferia de Moscou, e de outras grandes cidades, que se pode ainda ver alguns conjuntos de edifícios muito similares ao “Soviet” da Vila Mariana.
E, de fato, já pude comprovar, por várias vezes, a semelhança entre esses espaços habitacionais. Um motorista de Uber que um dia me deixou em casa, confirmou que eram mesmo parecidos os edifícios: “… são, de fato, idênticos … estive lá no ano passado, a trabalho”, me disse ele. O cinema também o comprova. No final de um dos filmes da trilogia Bourne (A supremacia Bourne), o atormentado personagem de Matt Damont encontra a filha de um casal que ele matou em um hotel de Paris, precisamente num apartamento de edifícios como o “Soviet”. Ao sair da conversa com a moça, a imagem é eloquente: Jason Bourne caminha lentamente por uma Moscou nevada e o edifício vai crescendo atrás dele. Por fim, a confirmação científico-oficial veio de um especialista em estudos políticos do comunismo soviético, um italiano que deu cursos e fez palestras em sua visita ao Brasil, em 2014. Ao sair do complexo de prédios que apelidei de “Soviet”, foi taxativo: “è justo”, e continuou: “são bem parecidos com aqueles que foram construídos no período brejnev”, atestou o especialista.

Naquela tarde da última semana antes de começar o verão não havia frio no “Soviet” da Vila Mariana. A chuva de verão caia intensa, acompanhada de forte e irregular ventania. Logo me levantei da mesa de trabalho e fui verificar em loco a borrasca, através do vidro da janela. De repente, à minha frente, muito próximo ao edifício, alguns flocos brancos, bem pequenos, flutuavam no ar e demoravam a se desfazer. Racionalizando rapidamente, logo assenti que se tratava de um fenômeno, no mínimo, inusual. Gritei para minha esposa se aproximar da janela e conseguimos, por alguns instantes, apreciar juntos aquilo que era inacreditável se um dissesse ao outro o que havia visto acontecer; quanto mais para outras pessoas. Nos abraçamos, sorrimos e brincamos de “Feliz Natal”, repetindo: Aqua nieve”, “Aqua nieve”….
Pois bem, caiu neve em dezembro no “Soviet” da Vila Mariana. “Aqua nieve”, assim mesmo, em espanhol, algo que vimos em Santiago do Chile, em um setembro de algum ano do final do século XX. Os chilenos nos ensinaram: é “Aqua nieve” porque os flocos ao tocarem no chão não se acumulam e escorrem como a água da chuva.
Em tempos de Natal e de festas, onde realidade e imaginação narram a vida, o inusitado acontece sempre e disso minha neta maior já sabe bem!