AOS 69, NÃO ME TROCO POR 3 DE 23 ANOS

20 é menor do que 60? Acredito que o leitor sagaz tenha respondido “depende”. 20 dólares representam muito mais dinheiro, poder aquisitivo, do que 60 reais.

Brasília em construção

Na comparação entre números, temos de evidenciar o contexto, do que se trata. Se somarmos a idade de três jovens de 23 anos cada um, teremos o total de 69 anos. Nesta operação matemática singela, 3 x 23 anos representam exatamente 69 anos. E se estendermos a conversa para experiência de vida?

Nasci em 1952, em plena guerra da Coreia, um dos ápices da Guerra Fria.

Já era nascido e desmamado, em 1954, quando as tropas do general Võ Nguyên Giáp, na batalha de Dien Bien Phu, venceram os exércitos coloniais da França e criaram a República Democrática do Vietnã. Vi surgir a Bossa Nova. “Chega de Saudade”, de Tom Jobim, eu sabia de cor, ainda menino. A construção de Brasília encheu de orgulho o garotinho.

Ouvi pelo rádio a saga da Canarinha, quando encantamos o mundo, com o nosso futebol moleque e trouxemos o Caneco para o país. Nasciam, para o mundo, Garrincha e Pelé. Fui contemporâneo da “crise dos mísseis”, entre Cuba e os Estados Unidos, quando o Planeta esteve no limiar de um conflito nuclear.

Vivi todo o período da ditadura militar e da redemocratização. Estive presente, em São Paulo, em todos os monumentais comícios do Diretas-Já. Acompanhei os trabalhos da Constituinte de 1988. Vi pela televisão, os olhos molhados, o discurso de Ulisses Guimarães na proclamação da Constituição Cidadã.

Fui contemporâneo do escândalo protagonizado por Leila Diniz grávida, quando posou nas praias oceânicas do Rio de Janeiro, de biquini. Também estava atento quando Fernando Gabeira chocou a esquerda tradicional e machista, ao andar de sunga sumária nas praias cariocas.

Leila Diniz, atriz que desafiou os costumes em plena ditadura

Apreciei Raul Seixas desde o começo de sua obra iconoclasta. Entendi a revolução na música popular brasileira que Moraes Moreira e os “Novos Baianos” se arriscavam a promover. Vi as novelas da Globo, capitaneadas por Dias Gomes e Vianinha, ganharem a alma nacional e o além-mar.

Assisti o surgimento, na Civilização Ocidental,  dos reclamos das mulheres contra o patriarcado e pela igualdade jurídica, social e cultural.

Fui contemporâneo dos discos de vinil, das fitas cassete, dos computadores paquidérmicos e até do cartão perfurado.

Vi, com esses olhos que hão de ser cremados, as embalagens pretas que encobriam as revistas Playboy, nas bancas de jornal. Li REALIDADE. Fui apoiador da imprensa alternativa, o PASQUIM, O MOVIMENTO, EM TEMPO. Pertenci à equipe do A VOZ DA UNIDADE.

Casei-me e descasei várias vezes na vida, tive sabores e dissabores. Tenho três filhos. Continuo na estrada. Fui contemporâneo do desquite, depois do divórcio apenas uma vez e, após a Constituinte de 88, a liberdade para casar e divorciar quantas vezes a vida quiser.

Poderia elencar, na linha do tempo, nestes 69 anos, centenas, talvez milhares de acontecimentos. Pouparei o leitor, que, na altura destas mal traçadas linhas, já tem uma pista do lugar em que eu desejo atracar.

Quem, neste abril de 2021, tiver apenas 23 anos, poderá comparar sua linha do tempo com este que vos tecla? Quem agora tem, ou completará 23 anos, nasceu há pouco, no decorrer de 1997 ou de 1998.

Internet e smartphones comandam o novo mundo tecnológico

Os 23 anos, desde 1997 ou 1998, eu também os presenciei e vivi, antenado em todas as questões da tecnologia, do wifi à internet das coisas e agora ao 5G. Se somarmos três jovens, homens ou mulheres, não importa, de 23 anos na atualidade, a somatória de suas experiências de vida chega aos meus 69 anos? Negativo. Continuarão tendo 23 anos de vida, no território da vivência, sejam um, dois, três ou “n” jovens dessa belíssima idade.

Pelo demonstrado, espero ter convencido o leitor de que, aos 69 anos, não há como eu poder me trocar, como experiência de vida, por qualquer número de jovens de 23 anos. Neste território, só poderei ser comparado a outros adentrados na vida. Espero também ter explicitado a relatividade dos números. Se me der na telha, quem sabe, eu me arrisque a escrever uma tese a respeito, para publicar em alguma notória revista científica.

Se eu tivesse comparado a capacidade pulmonar para participar da Maratona de Nova Iorque em novembro próximo, eu estaria em abissal desvantagem. O mesmo aconteceria se a medida fosse a travessia do Canal da Mancha ou mesmo a escalada do Everest. No mesmo rol estaria a ida de bicicleta, pela Dutra, de São Paulo ao Rio de Janeiro. Ou mesmo virar e noites com a galera e continuar os estudos e trabalhos. Eu não mais aguentaria.

Números em si mesmos pouco significam, a não ser uma sequência que se vai do quase nada ao quase tudo, em termos de mera contagem. Todavia, entretanto, porém, quando estabelecemos o que comparar, o caldo poderá entornar.

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