Atingiu grande repercussão na imprensa brasileira a troca de tuítes entre o Presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, e o candidato à presidência Lula da Silva. O Presidente (PSOE) agradeceu ao dirigente brasileiro o apoio à reforma trabalhista recentemente aprovada, por iniciativa do Ministério do Trabalho liderado por Yolanda Díaz (Unidas Podemos), graças ao acordo firmado entre a grande organização patronal, CEOE, e os sindicatos majoritários, União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Comissões de Trabalhadores (CCOO).

Pelo que entendo, está se fazendo uma leitura interessada de ambas as partes, ainda que na Espanha não tenha havido nenhuma repercussão o fato de Lula ter aplaudido Sánchez. Trata-se, em minha opinião, de uma lógica partidária, uma encenação interessada em vez de eventos políticos reais relevantes.
Lula e o PT enfatizam que “O presidente de Governo da Espanha, Pedro Sánchez, agradeceu, por meio das redes sociais na quinta-feira (6), o apoio do ex-presidente Lula (PT) à aprovação de uma nova reforma trabalhista para os espanhóis, que revisa as regras instituídas em 2012”. Citam um tuíte de Sánchez no qual se afirma: “Esta é uma conquista coletiva da Espanha, um compromisso do Governo e um exemplo de que, com diálogo e acordos, podemos construir um país mais justo e solidário. Obrigado, Lula, por reconhecer este novo modelo de legislação trabalhista que vai garantir os direitos de todos“.
“Sánchez agradecer” significa muito pouco. O presidente espanhol aproveitou para divulgar que alguém, no caso alguém importante do exterior, aplaudiu seu governo. Só isso. No que diz respeito a Lula, entendo que ele se aproveitou do mesmo modo: fez publicidade. Nesse caso, o agradecimento de um líder europeu por algo, seja o que for, o teria servido muito bem.
Agora, por que a aprovação da reforma da legislação trabalhista na Espanha pode ser de grande interesse para o Brasil?

A primeira coisa a notar, e não é menor, é que esta aprovação ainda está pendente de validação parlamentar. Inquestionavelmente, o que foi alcançado até agora é uma grande conquista para o governo Sánchez (e sua ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, que é a líder do parceiro da coalizão, Unidas Podemos, mas esse grande acordo ainda não foi validado pelo Parlamento). As negociações com vários partidos continuam porque, hoje, o governo Sánchez não tem votos suficientes. No entanto, espera-se que ele os receba.
A Europa está por trás do acordo assinado e o aplaude, é claro. Por isso, a reforma tem as bênçãos da UE, algo que exaspera a direita, que é cada vez mais feroz e virulenta. Trata-se de uma direita que ainda não digeriu o fato que Pedro Sánchez se tornou primeiro-ministro há apenas dois anos e que se mantém firme, alcançando importantes êxitos validados em Bruxelas. Para além dos números na criação de empregos, embora sejam ainda de baixa qualidade, a gestão da pandemia, especialmente no que se refere à vacinação, também tem encontrado significativo reconhecimento interno e externo. É por isso que a oposição de direita, cada vez mais desesperada, tenta torpedear qualquer aspecto da gestão governamental da maneira que o trumpismo a ensinou: polarizando ao máximo, mentindo, deslegitimando e até negando a realidade.
O fato de os grandes empregadores terem concordado em reformar a legislação trabalhista com um governo “social-comunista” – como o chamam de forma depreciativa –, os levou diretamente ao paroxismo. Vozes internas são ouvidas no grande partido de direita, o PP, que prefere apoiar – mesmo que seja com abstenção – uma reforma que os empresários, seus aliados naturais, deram o seu sim.

Pelo que se pode ler no site oficial do PT, Lula afirma que a reforma trabalhista espanhola de 2012 (realizada sem consenso pelo PP, graças à sua maioria absoluta no Parlamento) foi um retrocesso gravíssimo nos direitos trabalhistas e fonte inesgotável de precariedade para os trabalhadores. Isso é certo. Ele a iguala à de Temer, que não sei avaliar, e afirma que é preciso reformar esse marco legislativo no Brasil.
Por isso, talvez, o ponto de maior interesse, para além das felicitações, elogios e agradecimentos dos dirigentes, é que a reforma que se está a realizar na Espanha (insisto, ainda pendente de confirmação no Parlamento), atraiu o apoio de empregadores, sindicatos e do governo de coalizão. Isso é o mais importante. “Um mau acordo é melhor do que um bom processo”, diz o ditado. Ninguém está totalmente satisfeito com o pacto, mas todos podem dizer que obtiveram melhorias para os seus representados. Essa é uma boa política, na minha opinião.
Entendo que, dada a situação do Brasil, o mais importante não são as letras miúdas do que podemos chamar de “caso espanhol”, ou seja, os detalhes da reforma, por mais importantes que sejam indiscutivelmente. Ao contrário, o que é relevante, para a Espanha e para o Brasil, é que os verdadeiros avanços políticos são os sustentáveis, aqueles que são alcançados com pactos políticos de atores responsáveis e com credibilidade.
(Escrito especialmente para Horizontes Democráticos; tradução Alberto Aggio)